segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Pura Meiguice

Espreito a Primavera nos bicos canoros dos pássaros
Nas pétalas erguidas das flores
Nos sorrisos verdes dos prados
No espelho de água do lago
Nas metáforas brancas das nuvens
Na melodia soprada pela brisa
No aroma suave do céu
Nas cordas afinadas do sol
Na poesia viva das gentes que rasgam de sementes o chão.
E agradeço a Deus a meiguice do Seu olhar.

domingo, fevereiro 20, 2011

Paradoxos

A Ailime mostrou-me um toque do Divino:

“Para chegares a saborear tudo,
Não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
Não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
Não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a saber tudo,
Não queiras saber coisa alguma.”


Um paradoxo de "nada saber para perceber tudo" de S. João da Cruz.

E eu fiquei com sede e fui procurar mais:

“Entrei onde não sabia,
e fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

Eu não sabia onde entrava,
porém, quando lá me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi.
Não direi o que senti
pois fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda solidão,
diretamente entendida;
era coisa tão secreta,
que fiquei balbuciando,
toda a ciência transcendendo.

Estava tão enlevado,
tão absorto e desatento,
que meu sentido ficou
de todo sentir privado;
e o espírito dotado
de um entendimento sem entender
toda ciência transcendendo.” (Poema 2 - S. João da Cruz)


Descobri sabedoria muito bela nestes escritos de um Santo-poeta, que nos deve levar à reflexão - S. João da Cruz.

"Para chegar a saborear tudo,
Não queiras ter gosto por nada. 
 (...)
Para chegar a não ter gosto, 
Deves ir por onde não gostes.
(...)
Para chegar inteiramente a tudo,
Em tudo deves te abandonar.
E quando chegares a ter tudo,
Deves tê-lo sem nada querer." (Poema 1 - S. João da Cruz)
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segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Ainda há histórias de amor que dão origem a lagoas

Não foi lenda nem conto de fadas. Não foi amor à primeira vista.
Costumo dizer que não o conhecia. Mas claro que sim, desde criança. Só que nunca me tinha chamado a atenção. Não era meu amigo, nem meu vizinho, nem sequer meu colega. Tínhamos familiares comuns, o que nos permitia cruzarmo-nos algumas vezes. Superficialmente. Mas nunca o tinha visto com outros olhos (com olhos de ver ao perto) – com olhos do coração.

Foi uma daquelas coisas de que não se está à espera, mas que se faz acontecer, sem querer:
Numa boda de casamento, percebo que os pés se tocam por baixo da mesa… cruzam-se os olhos, aparecem uns sorrisos marotos, as pálpebras baixam-se e o rubor dá sinal de si. Caramba, mas o que é isto?
Tento disfarçar os pulos que me fogem do peito e acho que consigo. Levo para a brincadeira a insistência dos pés debaixo da mesa. Acontecem ali duas conversas diferentes e desajeitadas – a que as bocas falam e a que os pés dizem, mas esta segunda linguagem é-me desconhecida e desconcertante. E cabem naquela mesa vários tipos de iguarias quentes e saborosas: as que reconfortam o estômago; as que enchem os olhos; as que inebriam os sentidos; as que alimentam a fantasia…

E depois das sobremesas e das sobmesas nada nunca mais foi igual.

Há histórias de amor que dão origem a lagoas. Há histórias de amor que nos deixam lagoas para sonhar e para aprender antes de as mergulhar. Foi assim que se passaram dias e semanas e meses e mais meses antes de tentarmos nadar. Não se passava da margem, cada qual na sua. As margens também são sublimes e deleitosas, vibrantes de flores e de suavidade, agradáveis de se passear.
E nesses longos meses bastava um olhar, um sorriso, um aceno ao longe para levitar.

Até que começou a aquecer e chegaram as festas de Verão. E, nas tasquinhas, as nossas merendas saborosas de uns bons petiscos com pão. E debaixo da mesa os pés sempre na mesma primeira aflição. E, no arraial, a música a chamar-nos para um abraço disfarçado de dança, um encosto, um aperto, um acelera-coração.

Depois veio o Inverno com o calor dos bailes no Casarão e o embalo nessas danças de salão. E aquela chapada que dei a outro por se tentar meter pelo meio e armar confusão. E o meu amado foi embora, como que arrependido, envergonhado, daquela situação.

E seguiram-se-me as dúvidas se ele gostava de mim ou não. Aliás, certezas ainda eu não tinha tido, pois aquela boca nunca se quisera abrir para, (nem) de viva voz, me dizer aquilo que eu queria ouvir.

Bem, se era assim, teria de esperar, pois a um Inverno haveria de suceder uma Primavera e, talvez, dias de luar.

E eis que chegou Março, florido e ensolarado, e num domingo à tarde – eram os meus 20 anos – ele fez-se convidado. Na mesa esperavam-no uns acepipes para começar.
Foi ficando e foi voltando durante um mês, e deixando-se ficar, meio esquecido, meio perdido, sem eu bem saber o que o seduzia, pois estava a ver que ele não se descosia. Até que tive de tomar coragem:
- Eu gosto de ti… mas não sei bem se tu gostas de mim…
E ele, numa voz quase sumida:
- Eu gosto mais do que isso… eu amo-te.

Oh, céus! Como estava difícil o primeiro beijo de acontecer! Como a água desta lagoa estava custosa de se dar a beber!

(Passados uns bons anos, o primeiro peixinho, nascido desta lagoa de amor, conheceu uma belíssima açoriana, e com ela formou a sua própria lagoa numa destas ilhas mais maravilhosas que me é dado conhecer).
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