sábado, maio 28, 2011

Os Barretes Novos

Costumava ouvir do meu pai muitas histórias. Hoje lembrei-me desta:

Há muitos anos havia um homem que tinha um filho que, quando lá se lembrava, pedia ao pai que lhe comprasse um barrete novo. Porque aquele que tinha, ou era já do ano passado, ou já estava fora de moda, ou que vinham aí as festas do S. João, ou porque algum amigo também tinha estreado um novo, ou…
E o pai, ainda que lhe fosse dizendo que ele não tinha ainda necessidade de outro, que ainda havia pouco tempo que lhe tinha comprado aquele, perante a insistência do filho e porque não o queria ver desgostoso lá lhe comprava outro barrete. E os outros, que ainda estavam em bom estado, ia-os guardando a todos dentro duma arca.
Isto foi acontecendo ao longo da juventude do filho, enquanto este ainda era solteiro, de modo que os barretes se iam acumulando na arca.
Quando o filho se casou e começou a governar a sua própria casa, nunca mais o pai lhe viu estrear um barrete novo.
A dada altura, quando lhe viu na cabeça aquele mesmo barrete, todo gasto e puído, o último que lhe comprara em solteiro, já havia uns três ou quatro anos, o pai interpelou-o sobre isso, “É que eu preciso de remir uma casa de família, e o que vou granjeando não dá para tudo..., se o pai ainda por lá tivesse algum que me desse…”, e o pai foi à arca e deu-lhe um dos barretes que já fora dele. Passado mais uns tempos: “Se o pai tivesse outro barrete que me desse, que este já nem parece barrete…”, e o pai lá tirava outro da arca e lho dava. E assim o filho foi gastando, um a um, os barretes que noutros tempos já não quisera.

E vá-se lá saber por que me lembrei disto hoje…

Quando a canga pesa, a vida dói. 

sexta-feira, maio 13, 2011

Totus Tuus

«Totus tuus, Maria, somos todos teus.»



Je vous choisis, aujourd'hui, ô Marie, en présence de toute la Cour Céleste,
pour ma Mère et ma Reine.
Je vous livre et consacre, en toute soumission et amour,
mon corps et mon âme,
mes biens intérieurs et extérieurs,
et la valeur même de mes bonnes actions passées, présentes et futures,
vous laissant un entier et plein droit de disposer de moi et de tout ce qui m'appartient,
sans exception, selon votre bon plaisir,
à la plus grande Gloire de Dieu, dans le temps et l'éternité.


(Consagração à Virgem Maria, S. Louis-Marie Grignon de Montfort)

Tradução:

Eu escolhi-Vos, hoje, ó Maria, na presença de toda a Corte Celestial,
para minha Mãe e Rainha.
Entrego-vos e consagro a vós, com toda a submissão e amor,
o meu corpo e a minha alma,
meus bens interiores e exteriores,
e até mesmo o valor de minhas boas acções passadas, presentes e futuras
deixando-vos direito pleno e inteiro de dispor de mim e de tudo o que me pertence,
sem excepção, de acordo com o vosso querer,
para a maior Glória de Deus no tempo e na eternidade.
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quarta-feira, maio 04, 2011

Ai. A gente nem vê...

Ai senhor das furnas
que escuro vai dentro de nós
rezar o terço ao fim da tarde
só para espantar a solidão
e rogar a Deus que nos guarde
confiar-lhe o destino na mão

De que adianta saber as marés
os frutos e as sementeiras
tratar por tu os ofícios
entender o suão e os animais
falar o dialecto da terra
conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal
soletrar assinar em cruz
não ver os vultos furtivos
que nos tramam por detrás da luz

Ai senhor das furnas
que escuro vai dentro de nós
a gente morre logo ao nascer
com olhos rasos de lezíria
de boca em boca passando o saber
com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza
sem ler fica-se pederneira
agita-se a solidão cá no fundo
fica-se sentado à soleira
a ouvir os ruídos do mundo
e a entendê-los à nossa maneira

Carregar a superstição
de ser pequeno ser ninguém
mas não quebrar a tradição
que dos nossos avós já vem.
(Isabel Silvestre - A gente não lê)

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